O desenvolvimento de competências socioemocionais em ambiente remoto: um relato de experiência

Rossana Vieira Ferreira do Carmo

Zelma Candido de Souza

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Em circunstâncias conhecidas, não se pode separar o ser humano de suas emoções, tampouco enumerar atividades em que se possa abster do envolvimento emotivo. Socializar é tarefa humana. E qual não é a dificuldade em mensurar o quanto o desenvolvimento socioemocional está intrinsecamente ligado à aprendizagem.

As habilidades socioemocionais, que desde 2020 passaram a fazer parte do currículo escolar e estão definidas na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) têm trabalhado nesses pontos. Esta temática já costumava ser discutida nas escolas e iniciativas foram criadas no intuito de alavancar a aquisição dos conteúdos, ao mesmo tempo em que previa e evitava conflitos, promovendo, entre outros, a empatia e o autoconhecimento dos alunos. 

Uma das iniciativas criadas com a intenção de se adequar às novas configurações da BNCC foi o Espaço de SER (Sentir, Expressar, Relacionar), projeto oriundo do Programa de Educação Socioemocional (PESEM) por meio de uma parceria da Escola de Formação Paulo Freire e a Subsecretaria de Ensino (SUBE) da Prefeitura do Rio de Janeiro, com foco no desenvolvimento das habilidades socioemocionais.

Projeto SER no 2º e 3º ano: as circunstâncias no meio do caminho

O Espaço de SER chegou efetivamente às escolas da rede municipal em 2019 para ser explorado com as turmas do 2º ano do Ensino Fundamental I e, em 2020, para turmas do 3º ano. As atividades consistiam em reservar um momento, uma vez na semana, para uma contação de história do livro “A caixa do Tomás” ou “O caderno do Geraldo”, uma roda de conversa e o desenvolvimento da atividade sugerida no material. Semanalmente um aluno levaria a pelúcia para a sua residência para compartilhar momentos em família e relatar em um diário. A cada professor ou professora regente estava reservada a personalização das tarefas, a fim de respeitar as características da turma¹

Com a pandemia do Covid-19 e o fechamento das escolas, foi necessário dar continuidade ao projeto de forma remota, defrontando-se assim com dificuldades aquém das restrições tecnológicas as quais já existiam na rede. Nesse aspecto, as interações se dariam, apenas, assistindo aos vídeos que lhes seriam transmitidos. As devolutivas também não estariam síncronas e a plataforma utilizada para divulgação foi a mídia Faceboook, pois já era conhecida pela comunidade escolar.

Vale salientar que, mesmo com esta mudança brusca no cotidiano, tanto as questões socioemocionais quanto a interdisciplinaridade seguiram juntas. De um lado, as emoções foram trabalhadas com o Tomás, no corpo docente e discente. De outro, as interações ocorreram de maneira não presencial, isto é, virtual e não síncrona, unindo conhecimentos pedagógicos de interpretação e de uso de aplicativos para ludicidade.

Reuniu-se então uma força tarefa, e os papéis foram trocados: a mascote Tomás, que no ensino presencial visitava a casa das crianças, no ensino remoto conheceria a casa das professoras, diretora e demais membros da equipe., Isto iria despertar a curiosidade dos alunos quanto ao cotidiano daqueles que comumente se viam apenas em seu ambiente de trabalho/estudo, o que trouxe um pouco de emoção e sentimentos às telas.

Mascote "Tomás"

Assim se iniciou a novelinha: “As aventuras de Tomás”, dividida em episódios, onde o personagem passava um tempo hospedado na casa de algum membro da equipe escolar, iniciando pelas professoras e finalizando o ano letivo com a diretora geral. No roteiro, o Tomás se frustrava com algo e seguia em busca de um lugar onde pudesse passar a quarentena.

Logo, sentiu falta dos alunos, se incomodou com os gatos, desejou aprender a fazer bolos, entre outros. Deste modo, os donos das casas em que o Tomás esteve presente sempre compartilhavam um pouco das suas vidas e emoções durante aquele momento. 

Já a continuidade do projeto iniciado em 2019 aconteceu com outra pelúcia: o Geraldo. Assim, os alunos que em 2019 estavam no 2º ano, em 2020 (no 3º ano) puderam ter contato com outro boneco, mas de maneira remota. 

Enquanto para o Tomás foi criada uma novelinha, o Geraldo “ganhou voz”. Por meio de um aplicativo², o boneco falava com os alunos contando suas histórias³ e aventuras pelo menos uma vez por semana. Em alguns momentos, os dois bonecos se encontravam e puderam “falar” um com o outro e com os alunos. Essa “interação” também ocorreu por meio de postagens no Facebook. 

Mascote "Geraldo"

Então, percebemos que os dois eram muito divertidos e que os alunos respondiam muito bem às questões que eram postas. Neste sentido, também foi possível notar que as competências da BNCC estavam sendo trabalhadas mesmo que de maneira distante.

Como resultado, obteve-se uma maior interação dos alunos do segundo e terceiro ano com a mídia social adotada como plataforma de trabalho e trocas à distância. Valendo ressaltar que os vídeos ficaram disponíveis também para o acesso de outras turmas do CIEP. A atividade possibilitou que, mesmo não próximos, fosse possível desfrutar de momentos de descontração que ajudavam crianças e adultos envolvidos a passarem por momentos tão conflitantes no mundo ao redor.

Com um ano de ensino remoto, sem contato presencial entre alunos e professores, as atividades socioemocionais foram de grande importância para, de alguma forma, não se perder o vínculo aluno/escola, bem como o trabalho emocional, a fim de lidar com as adversidades que a pandemia nos impôs. 

Os seres humanos são, para Vigotsky (1989 apud NUNES e SILVEIRA, 2009), seres sociais, com funções psicológicas superiores, capazes de criar, transformar o meio e a si mesmos. O corpo docente envolvido, ao implementar a ‘novelinha do Tomás’ e ‘Geraldo fala’, usou desta criatividade para transformar aquilo que era concreto (a pelúcia na casa dos alunos, as rodas de conversa em sala de aula, etc.), e passou para o “mundo virtual” e lúdico. Mantendo, dentro das possibilidades, o contato com os discentes e o trabalho socioemocional.

Como retorno dos alunos tivemos muitos “likes”, “views”, postagens em vídeos, áudios e desenhos. Todos enviados pelas páginas do Facebook

Pudemos perceber com as devolutivas que houve uma troca. Muitos se identificaram com as histórias e peraltagens do Geraldo, assim como as angústias e curiosidades do Tomás. Para uns pareceu mais significativa do que para outros. Mas, tendo em vista o momento peculiar e as dificuldades, para alguns alunos, em ter acesso à internet, foi um momento de diversão com saldo positivo.

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¹ Esse era o projeto original, efetivado em 2019 somente com as turmas do 2º ano. Como o projeto foi implementado só em 2020 para as turmas do 3º ano, apenas houve a possibilidade de encontros virtuais. 

² O aplicativo em questão é o Animal Fala, versão não gratuita.

³ As histórias que o Geraldo contava estão no “Caderno do Geraldo”, que faz parte do material disponibilizado pelo Espaço de Ser.

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Referências Bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017.http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf Acesso em 08/08/2021

Espaço de Ser https://espacodeser.com/ acesso em 03/08/2021.

Laboratório Inteligência de Vida (LIV) https://www.inteligenciadevida.com.br/pt/conteudo/o-que-e-liv/ Acesso em 30/07/2021.

NUNES, Ana Ignez Belém Lima; SILVEIRA, Rosemary do Nascimento. Psicologia da aprendizagem: processos, teorias e contextos. Brasília. Liber Livros, 2009.

RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Educação. Espaço de SER. Disponível em: https://www.rio.rj.gov.br/web/epf/espaco-de-ser2  Acesso em 30/07/2021

Zelma Candido de Souza
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Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora do Ensino Fundamental (PEF) da Prefeitura do Rio de Janeiro. Atualmente leciona para o 4º ano.

Rossana Vieira Ferreira do Carmo
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Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Professora do Ensino Fundamental (PEF) na Prefeitura do Rio de Janeiro, lecionando para o 1º ano.

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