A importância da leitura para a resolução de problemas matemáticos

Gabriela Rodrigues Bacelar

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A resolução de problemas é uma das principais tendências no cenário da Educação Matemática mundial, sendo um assunto de grande relevância na atualidade. Assim, torna-se necessário destacar sua importância como metodologia para o ensino e aprendizagem da Matemática.
Somado a isto, deve-se considerar a leitura, interpretação e compreensão dos enunciados dos problemas como principal ferramenta para tal processo, já que a língua, seja oral ou escrita, é fundamental para a comunicação, informação e conhecimento.
Portanto, com o fim de compreender esta metodologia e sua relação com a língua, este texto pretende conceituar a resolução de problemas, classificar os tipos de problemas, discutir a relação entre língua e matemática e caracterizar como ocorre a leitura e interpretação dos enunciados dos problemas matemáticos.

Resolução de Problemas na História

A história da matemática se utiliza da resolução de problemas para ilustrar o momento histórico e o surgimento de determinados assuntos. Vejamos dois documentos matemáticos importantíssimos presentes na história. O primeiro é o papiro Golonishev ou de Moscou (figura 1), datado aproximadamente no ano 1850 a.C. Nele se encontra um texto matemático que contém vinte e cinco problemas.

Papiro Moscow
Figura 1: Reprodução do problema 14 do papiro Moscou: volume de um tronco de pirâmide quadrada, com transcrição hieroglífica. Imagem de domínio público.
Papiro de Rhinde
Figura 2: Parte do papiro de Rhind depositado no Museu Britânico, Londres.

O segundo é o papiro de Rhind ou Ahmes (figura 2) que mede 5,5 m de comprimento por 0,32 m de largura, datado aproximadamente do ano 1650 a.C. Nesse documento encontramos um texto matemático na forma de manual prático, que contém oitenta e cinco problemas copiados de um trabalho mais antigo em escrita hierática pelo escriba Ahmes.

Portanto, ao analisarmos esses documentos antigos, temos uma dimensão de que, durante o estudo da história da matemática, nos deparamos com a resolução de problemas. Porém, de acordo com Bacquet (2001), os problemas voltados especificamente para as jovens crianças surgiram somente em meados do século XIX e a palavra problema apareceu pela primeira vez na década de 80 do mesmo século. O real motivo para o aparecimento foi a situação política e cultural francesa, que fez com que os manuais buscassem retratar a realidade das crianças. Observemos a tentativa de tal processo:

Um professor tem três categorias de alunos. Aqueles da primeira categoria são em número de 16 e pagam 1 franco por mês, os da segunda são em número de 14 e pagam 2 francos por mês, os da terceira são em número de 10 e pagam 3 francos por mês. Diga a contribuição mensal para esse professor.

(BASCQUET, 2001, p. 25-26)

Ou seja, ao longo de décadas, os manuais franceses tentaram buscar recursos metodológicos visando à aquisição de competências matemáticas por parte dos alunos.

Resolução de Problemas e a produção do conhecimento

A resolução de problemas é uma ferramenta que pode ser utilizada entre outras coisas para a produção do conhecimento. Segundo Sadovsky (2010), para avaliar, questionar e repensar o ensino da matemática, deve-se dar sentido ao que está sendo ensinado. Logo, a resolução de problemas também é um meio de produção do conhecimento. Produção essa embasada na prática da modelagem, a partir da construção de modelos matemáticos que, entre outros objetivos, serve como recurso de comprovação de aprendizagem. Porém,

[...] a simples ideia de apresentar problemas não permite vislumbrar como os alunos poderiam reconstruir um aparato teórico que lhe permitisse reinvesti-lo para resolver novos problemas, para colocar em jogo e produzir modelos, e para elaborar mais teoria.

(SADOVSKY, 2010, 38)

Assim, a compreensão do conceito vai depender da forma como o problema é apresentado e do contexto em que está inserido. Daí a importância da formulação de problemas com propósito de aprendizagem.

A Língua e a Matemática

A língua, tanto em sua forma oral ou escrita, se apresenta como um sistema de interpretação e representação da realidade. Desta forma, a língua e a matemática devem andar juntas, visto que,

Muito mais do que a aprendizagem de técnicas para operar com símbolos, a matemática relaciona-se de forma visceral com o desenvolvimento da capacidade de interpretar, analisar, sistematizar, significar, conceber, transcender o imediatamente sensível, extrapolar, projetar.

(MACHADO, 2001, p. 96)

A priori, no contato inicial, matemática e a língua não se separam, de modo que ambas, como representação da realidade, foram construídas ao longo da história de forma gradativa, se complementando em uma importante relação de troca.

Vejamos um exemplo dessa relação entre a língua e a matemática:

Chegar a um denominador comum.
Dar as coordenadas.
Aparar as arestas.
Sair pela tangente.
Ver de um outro ângulo.
Retidão de caráter.
O xis da questão.
O círculo íntimo.
A esfera do poder.
Possibilidades infinitas.
Perdas incalculáveis.
Numa fração de segundo.
No meio do caminho.
Semelhança, Equivalência, Estrutura, Função, Categoria, etc.

(MACHADO, 2001, p. 97-98)

Já a relação entre língua e resolução de problemas é vista como proposta de ensino por Lellis (2014) por meio da utilização de versos para a resolução de problemas. Ele se baseia na matemática entre os séculos IV e XII, na qual os procedimentos por meio da linguagem algébrica ainda não eram utilizados e “os versos ajudavam a memorizar o que era apresentado” (Lellis, 2014, p. 46).

Como base para argumentação, Lellis (2014) utiliza duas obras literárias: “Poemas Problemas” de Renata Bueno, e “Conte aqui que eu canto lá” de Rosane Pamplona. Além da resolução de problemas, esse tipo de atividade trabalha a leitura e interpretação de textos. Assim, novamente, nos deparamos com a relação de troca entre a língua e a matemática.

Leitura e Interpretação de Enunciados dos Problemas

De acordo com Smole e Diniz (2001, p.89) “a Resolução de Problemas corresponde a um modo de organizar o ensino […] incluindo uma postura frente ao que é ensinar e, consequentemente, do que significa aprender”.

Quando pesquisamos acerca deste assunto, encontramos primeiramente a distinção entre os tipos de problemas existentes. Segundo Dante (1998), podemos classificar os problemas em 6 categorias:

  • Exercícios de reconhecimento: o principal objetivo é fazer com que o aluno reconheça, identifique ou lembre algo;
  • Exercícios de algoritmos: podem ser resolvidos passo a passo; geralmente são elementares e utilizam algoritmos das quatro operações básicas;
  • Problemas-padrão: divididos em simples e compostos, utilizam um ou mais algoritmos aprendidos anteriormente e sua principal tarefa é transformar linguagem usual em linguagem matemática;
  • Problemas-processo heurísticos: as operações não estão contidas no enunciado e em geral não são resolvidos automaticamente. Leva o aluno a pensar, desenvolver a criatividade, a iniciativa e estratégias e procedimentos para resolver situações-problema;
  • Problemas de aplicação: retratam situações reais do cotidiano e exigem o uso da matemática para serem resolvidos;
  • Problemas de quebra-cabeça: envolvem e desafiam os alunos. Sua solução quase sempre depende de sorte ou da facilidade de perceber um truque.

Além de caracterizar os tipos de problemas, podemos destacar ainda, segundo Dante (1998), os principais objetivos da Resolução de Problemas que são: fazer o aluno pensar produtivamente; desenvolver o raciocínio do aluno; ensinar o aluno a enfrentar situações novas; dar ao aluno a oportunidade de se envolver com as aplicações da matemática; tornar as aulas de Matemática mais interessantes e desafiadoras; equipar os alunos com estratégias para resolver problemas e por fim, dar uma boa base de matemática às pessoas.

Já para Echeverría e Pozo (1998, p.16) o fundamental é diferenciar o problema do exercício; segundo eles “[…] um problema se diferencia de um exercício na medida em que, neste ultimo caso, dispomos e utilizamos mecanismos que nos levam, de forma imediata, à solução”.

No quadro a seguir, estão representadas as principais diferenças entre exercício e problema. De acordo com Echeverría e Pozo (1998):

ANÁLISE DE EXERCÍCIOS SOLUÇÃO DE UM PROBLEMA
Rotina consequente de uma prática constante;
Não conhecemos a forma ou caminho para chegar à solução;
Situações ou tarefas conhecidas.
Situação nova.

Contudo, quando utilizamos a Resolução de Problemas como metodologia de ensino nas aulas de matemática, sempre nos deparamos com as mesmas indagações: Por onde começo? Que tipo de operação utilizo? Para responder estas e outras perguntas, comumente procuramos utilizar uma sequência didática que, de acordo com Polya (1998, p.4) pode ser dividida em quatro partes:

Primeiro, temos que compreender o problema, temos de perceber claramente o que é necessário. Segundo, temos de ver como os diversos itens estão inter-relacionados, como a incógnita está ligada aos dados, para termos a ideia da resolução, para estabelecermos um plano. Terceiro, executamos o nosso plano. Quarto, fazemos um retrospecto da resolução completa, revendo e discutindo-a.

(POLYA, 1998, p.4)

Polya (1998) sugere uma sequência de quatro etapas a serem utilizadas na resolução de problemas. Para tanto, ele destaca no primeiro item desta sequência que o começo de tudo está no enunciado do problema. Este deve ser visualizado como um todo, de modo que a leitura e interpretação levem-nos a uma compreensão clara e nítida.

Baseando-se nessa ideia de Polya, chegamos ao principal objetivo de discussão deste texto: a importância da leitura, interpretação e compreensão dos enunciados dos problemas, pois “[…] o enunciado verbal do problema precisa ser bem entendido” (POLYA, 1998, p.4).

Acredita-se que, para dar oportunidade de compreensão e procurar satisfazer a curiosidade de nossos educandos no que diz respeito à resolução de problemas, a ação sugerida é considerar a leitura e interpretação dos enunciados dos problemas como algo fundamental para a sua prática.

Sabe-se que a leitura e a interpretação são necessárias para o processo de ensino-aprendizagem e para a compreensão da realidade em que vivemos. Smole e Diniz (2001, p.70) concordam com este conceito e afirmam que

Compreender um texto é uma tarefa difícil, que envolve interpretação, decodificação, análise, síntese, seleção, antecipação e autocorreção. Quanto maior a compreensão do texto, mais o leitor poderá aprender a partir do que lê. Se há uma intenção de que o aluno aprenda através da leitura, não basta simplesmente pedir para que ele leia, nem é suficiente relegar a leitura às aulas de língua materna; torna-se imprescindível que todas as áreas do conhecimento tomem para si a tarefa de formar o leitor.

(SMOLE & DINIZ, 2001, p.70)

Cabe a nós professores, não só de matemática mas de todas as disciplinas, discutirmos e elaborarmos atividades que estimulem o interesse dos alunos pela leitura e escrita, para que possam adquirir competências e habilidades para interpretar e compreender o que estão lendo, tendo como objetivo levá-los à compreensão dos enunciados dos problemas matemáticos e, ao mesmo tempo, à compreensão do meio em que eles estão inseridos.

Referências Bibliográficas

BACQUET, M. Matemática sem dificuldades – ou como evitar que ela seja odiada por seu aluno. Tradução de Maria Elizabeth Scheider. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Ensino de 5° a 8° séries. Brasília-DF: MEC, 1998.

CARVALHO, M. Enunciados de problemas matemáticos e os processos de leitura e escrita. Direcional Educador, São Paulo, ano 5, ed. 56, p. 10 – 12, 2009.

DANTE, L. R. Didática da resolução de problemas matemáticos. 11 ed. São Paulo: Ática, 1998.  

ECHEVERRÍA, M.R.P.; POZO, J.I. Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. In: POZO, J.I. (org) A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para aprender. Porto Alegre, Artmed: 1998.

LELLIS, M. A poesia do Cálculo – Obras trabalham resolução de problemas por meio de versos e trovas. Carta Fundamental: a revista do professor, São Paulo, n. 58, p.46-47, 2014.

MACHADO, N. J. Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

MACHADO, R. Ensino de leitura interpretativa. Revista do professor, Porto Alegre, ano 25, n. 100, p.50, 2009.

POLYA, G. A arte de resolver problemas: um novo aspecto do método matemático. Tradução e interpretação de Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.

SADOVSKY, P. O Ensino da matemática hoje: Enfoques, sentidos e desafios. Tradução de Antônio Padua Danesi; apresentação e revisão técnica da tradução: Ernesto Rosa Neto. 1 ed. São Paulo: Ática, 2010.

SCHLIEMANN, A. D.; CARRAHER, D. W.; CARRAHER, T. N. Na vida dez, na escola zero. 10 ed. São Paulo: Cortez, 1995.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.

Gabriela Rodrigues Bacelar
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Professora de matemática na rede estadual e municipal de São Paulo. Licenciada em Matemática e Especialista em Educação Matemática.

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