“Minha Rapunzel tem dread”: lidando com as questões étnico-raciais na sala de aula

Sheila Cristina Gomes Santos

Renata Gabriela da Silva

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Minha Rapunzel tem dread
Ilustração: Eduardo Malmagro Camacho

No começo do ano de 2020, durante o Planejamento Escolar na EMEF Tenente Alípio Andrada Serpa, situada na Zona Oeste de São Paulo, levantamos a necessidade de abordar um projeto com a temática “Questões Étnico-Raciais” com os alunos dos 5º anos. Coincidência ou não, essa necessidade partiu de duas professoras pretas que perceberam, ao longo de suas trajetórias na rede pública, que a Lei 10.639/03 sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana é, em algumas escolas, cumprida de forma artificial ou somente em datas comemorativas. 

Para potencializar o trabalho, a fim de buscarmos conhecimento sobre a temática “Questões Étnico-Raciais”, participamos do “Grupo de Leituras Antirracistas” que nos propiciou leituras e reflexões de referenciais teóricos de escritoras negras como Grada Kilomba e Bell Hooks. A primeira, no livro “Memórias da Plantação – Episódios de Racismo Cotidiano”, relata a história desde o racismo no período colonial, mas sobretudo o racismo no cotidiano vivenciado pelas mulheres negras. Já a segunda, autora de “Ensinando a Transgredir – A Educação como Prática da Liberdade”, propõe uma educação diferente, ou seja, ensinar os alunos a transgredirem as fronteiras raciais a fim de alcançarem o dom da liberdade como objetivo mais importante do professor.

Pensando nisso, o projeto foi estruturado com diversas propostas, cujo objetivo era impulsionar a conscientização e as reflexões, no cotidiano escolar, sobre a identidade afrodescendente, proporcionando aos alunos o sentimento de pertencimento racial e respeito à diversidade; e com isso combater o racismo, uma vez que os alunos na sua convivência social lidam com formas de discriminação diariamente. 

Iniciamos o projeto com a proposta de que os alunos refletissem sobre suas origens, considerando o respeito à diversidade cultural e ao contexto social. Na primeira atividade passamos o clipe do rap “Minha Rapunzel tem dread”, da MC Soffia, para que identificassem qual grupo social era retratado, qual era a mensagem da letra da música e o que ela estava combatendo.

A segunda atividade foi com a apresentação das seguintes citações do rap “Minha Rapunzel tem dread”, da MC Soffia: 1) “…princesa Rastafari que nasceu no reino de Sabá…”; 2) “…Princesa Etiópia, esse nome eu batizei…”. 

Também oferecemos a leitura da lenda “A rainha de Sabá” e seu encontro com o Rei Salomão. Em seguida questionamos: O que foi o reino de Sabá? Por que a MC Soffia escolheu o nome “princesa Etiópia”?

Finalizamos a atividade com o vídeo da entrevista da MC – Soffia – “Princesinha que nada!”; na entrevista a rapper fala sobre o racismo, o cabelo, a aceitação da cor. Fizemos algumas perguntas para os alunos acerca do racismo no Brasil, na comunidade em que eles vivem e na escola.

Para concluir a proposta, realizamos um diálogo com as turmas para aferir a compreensão deles sobre a construção de identidade, e percebemos que uma boa parte dos alunos demonstrou negação quanto ao pertencimento racial. No entanto, ao longo das discussões e reflexões eles foram mudando de opinião. Nesse sentido, concluímos que a escola tem um papel importantíssimo no processo de valorização e respeito à diversidade étnico-racial. 

E por que utilizamos o rap da MC Soffia para discussões das questões étnico-raciais? A cantora MC Soffia é uma jovem negra que nasceu na periferia de São Paulo. As suas vivências vão ao encontro da realidade da maioria das crianças e jovens negros. Por meio do rap ela aborda as questões-étnicos-raciais, desconstruindo os atos racistas, muitas vezes naturalizados e velados na nossa cultura brasileira e, infelizmente, até no ambiente escolar. Outro fator importante que ela traz é a visibilidade das crianças e jovens negros na sociedade, empoderando-os e mostrando que eles podem ser o que quiserem. 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. D.O.U. de 10 de janeiro de 2003. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004.

HOOKS, Bell. Ensinando a Transgredir – A Educação como Prática da Liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF, 2019.

KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação – Episódios de Racismo Cotidiano. Tradução Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

SÃO PAULO. Orientações Curriculares: expectativas de aprendizagem para educação étnico-racial na educação infantil, ensino fundamental e médio. Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT, 2008.

SILESHI, Mantegaftot. Rainha de Sabá: uma viagem em busca do conhecimento. DW. 13/07/2018. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/rainha-de-sab%C3%A1-uma-viagem-em-busca-do-conhecimento/a-44487846>. Acesso em: 30 abr. 2020.

Sheila Cristina Gomes Santos
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Professora na rede municipal de ensino de São Paulo. Licenciada em Pedagogia e Pós-graduada em Práticas Educativas: Criatividade, Ludicidade e Jogos.

Renata Gabriela da Silva
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Professora na rede municipal de ensino de São Paulo. Licenciada em Pedagogia.

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3 Comentários

  1. É de suma importância abordarmos temas étnico-raciais não somente em datas especiais! Também sempre me deparo com desafios como os citados por você, trabalhar a identidade afrodescendente e o pertencimento racial, dou aula para o Ensino Médio. Parabéns pelo importante trabalho realizado e obrigada pelas dicas dadas!

  2. Prezadas Sheila e Renata,

    Nossa, que projeto fantástico o de vocês! Eu, como professor de história, ainda tenho muita dificuldade na descolonização do currículo da disciplina que ministro, mas estou no caminho e o projeto de vocês me deu uma perspectiva muito bacana de desenvolvimento de caminhos que vão ao encontro disso que foi, brilhantemente, desenvolvido por essa “dupla dinâmica”!

    Grande abraço e parabéns pelo projeto desenvolvido!

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