O Carretel, a Linha e a Pipa

Silvio Valentin Liorbano

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A canção “Saiba” interpretada pela cantora Adriana Calcanhoto (Partimpim) é tão profunda com sua letra incontestável: “Saiba: todo mundo foi neném/Einstein, Freud e Platão também/Hitler, Bush e Sadam Hussein/Quem tem grana e quem não tem”. É assim em toda parte (presidentes, ministros da saúde ou generais): todos nascem miúdos e às vezes crescem não só no tamanho das patentes, do poder, mas sobretudo, alcançam a grandeza humana, a capacidade de respeitar e melhorar a vida do outro.

Partindo das obviedades, é claro que a maioria das crianças passam pelas escolas e, além dos conhecimentos das disciplinas, os professores tentam repassar algo a partir do conhecimento que elas trazem – não desprezam de forma alguma o que é significativo para elas – pois o que as faz sorrir e de alguma forma encanta é matéria viva nas aulas. Ninguém alça voo aos dez anos com um jato supersônico – primeiro é o carretel, a linha e a pipa. A tese cognitiva de David Ausubel (psicólogo da educação estadunidense) parte do conhecimento prévio dos alunos como ponto de ancoragem para novas ideias. Para ele, 

a incorporação de novos conhecimentos de maneira significativa ocorre a partir do que o aluno já sabe. Ele afirma ainda que, se o conteúdo não for significativo para o aluno, será armazenado de maneira isolada, podendo esquecê-lo em seguida, ocorrendo apenas a aprendizagem mecânica. (PAULA; BIDA, online, grifo nosso)

Além das descobertas possíveis, a escola (todos que trabalham neste espaço) tenta potencializar a palavra educação e assim lança olhares e luzes sobre um desafio cada vez mais premente e complexo: educar as ações de seus alunos – influenciar na formação do caráter e humanizá-los para o convívio em sociedade. Mas como tornar alguém humano numa sociedade tomada por ações desumanas? Talvez a escola não dê conta sozinha da tarefa – talvez seja necessário incorporar ao currículo escolar a voz e o conhecimento de quem sabe a importância de preservar a natureza. A sabedoria milenar indígena já deveria ser parte das ações de ensino e formação humana dos alunos, e como exemplo, o trecho da carta do chefe Seatle (escrita em 1854) em resposta à proposta de compra das terras indígenas pelo presidente dos E.U.A, Franklin Pearce: 

Vocês devem ensinar as suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra.

Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.

Quem deveria lecionar aula de natureza para os pequenos deveria ser um professor indígena, porque ao olhar rios, florestas, a água do mar e o céu fica a certeza: fracassamos. Mas como tornar alguém humano numa sociedade tomada por ações desumanas? Talvez seja importante aproximá-los da arte… Uma visita ou várias aos livros e a liberdade para que se expressem… Afinal, ninguém voa um poema, uma aquarela ou uma canção aos dez anos – primeiro é o carretel, a linha e a pipa.

Referências Bibliográficas

PAULA, G. M. C.; BIDA, G. L. A importância da aprendizagem significativa. Disponível em  http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1779-8.pdf. Acesso em 24/05/2021.

 

SEATLE. Carta do Chefe Seatle. Disponível em http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/seatle.htm. Acesso em 23/05/2021.

Silvio Valentin Liorbano
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Homem cinquentenário, graduado em Letras, pai, professor e poeta. Alguns livros publicados para crianças e jovens. Alguns prêmios literários. Seu trabalho mais recente é o livro “Olhos de engolir horizonte” (Editora Patuá – 2020).

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3 Comentários

  1. Texto ímpar. Também acredito que a natureza pode trazer de volta para as pessoas um pouco mais de humanidade.

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