Minha história com os projetos: a importância das escolhas metodológicas na trajetória docente

Marília Gonçalves Ferreira Lagoa

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Professora Marília maquiando aluna nos preparativos da apresentação da peça "O Rei Leão" (2015). Foto: Arquivo pessoal.

Meu nome é Marília Gonçalves Ferreira Lagoa, professora aposentada de Arte da rede Municipal de Educação da cidade de São Paulo e venho aqui afirmar sobre a importância das escolhas metodológicas na trajetória docente, algo que não é novidade para o professor interessado em melhorar sua aula e fazer com que o aluno aprenda os conceitos curriculares. 

Porém, antes, vou contar um pouco da minha trajetória profissional. Ingressei na rede Municipal por acaso. Na Faculdade de Arte não me imaginava dando aula, achava que não tinha aptidão para isso. Confesso que a ideia de enfrentar uma sala com 40 alunos me assustava! Minha vontade era estar em contato com a Arte, embora nunca tenha me considerado uma artista, mas sim uma conhecedora da Arte. 

Entretanto, a vida dá voltas e em 1991 ingressei na Prefeitura Municipal de São Paulo como professora comissionada (contratada). Na época, o secretário de Educação era Mário Sérgio Cortella e enfrentei o desafio de lecionar Arte, mesmo que fosse até encontrar algo que me identificasse mais. Foi então que fui mordida pelo “bichinho” da educação e amei! 

Logo percebi que a Faculdade não havia me preparado o suficiente para tornar minhas aulas realmente significativas para meus alunos. Corri atrás do prejuízo, mas confesso que dei várias cabeçadas. Foi então que resolvi encarar o meu primeiro Projeto na rede Municipal de São Paulo, o da sala de informática. Fiz parte do primeiro grupo de Professores Orientadores de Informática Educativa, então conhecidos como “POIEs”, em 1997. 

O começo foi bem difícil, pois além de ensinar os alunos uma nova linguagem que estava chegando às escolas, precisava capacitar os professores também. Porém, no contato com os professores do Ensino Fundamental I, tive ótimas experiências com várias teorias que contribuíram com minhas escolhas metodológicas. Lembro-me que uma das mais significativas em minhas aulas de Arte e Informática foi a das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner, que elenca sete tipos de inteligência: a lógico-matemática, a linguística, a espacial, a físico-sinestésica, a interpessoal, a intrapessoal e a musical (GARDNER, 1995). Comecei a perceber que as várias maneiras de explanar o mesmo assunto faz muita diferença no resultado da aprendizagem. 

Ainda nas capacitações de POIE tive o primeiro contato com a metodologia de Projetos. Tínhamos que trabalhar a Informática em projetos elaborados juntamente com os professores tanto do Ensino Fundamental I e II, integrando várias áreas do conhecimento. Nossa base teórica foram as reflexões de Fernando Hernández (2017), que propõe a reorganização do currículo em projetos que transformem o professor em pesquisador e coloquem os estudantes como sujeitos do processo de aprendizagem enquanto levantam dúvidas e buscam respostas e soluções.

Após nove anos à frente da informática educativa, voltei a lecionar Arte em 2006. Foi então que tudo que absorvi sobre a metodologia de Projetos teve um grande significado em minhas aulas e consegui de fato fazer com que meus alunos assimilassem os conceitos sobre Arte.

Considerando que a Arte é um diálogo entre a cultura de uma determinada comunidade escolar e o saber sistematizado (cultura erudita), aliada à intertextualidade (com a leitura de textos verbais ou não verbais como imagens, músicas, gestos, entre outros), elaborei meu primeiro projeto de Arte, o “Projeto Enquadramento da Imagem”, para o qual  minhas experiências como orientadora de Informática Educativa me forneceram subsídios. A seguir, irei descrever este e outros três projetos que selecionei dentre os que desenvolvi durante minha carreira docente.

Projeto “Enquadramento da Imagem”

Este projeto começou a ser elaborado em 2007 abordando História em Quadrinhos e Fotografia. A seguir, as duas linguagens foram misturadas na Fotonovela, com a inclusão da encenação corporal. Em 2008, este projeto entrou nas Orientações Curriculares da Prefeitura Municipal de São Paulo de Artes e Educação Física.

Como professores de Arte efetivos em uma Unidade Escolar, precisamos lecionar para várias séries/anos/ciclos. Por isso, elaborei este projeto em várias etapas (7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental) com o objetivo de trabalhar as perspectivas e planos de uma imagem dentro de um quadro. Com o passar dos anos, acrescentei ao projeto o processo de transição da imagem estática ao movimento, tanto do desenho à animação, como da fotografia ao cinema, bem como a mudança da fotografia analógica para a fotografia digital.

Projetos Interdisciplinares

Como Arte e Educação Física, de acordo com as Expectativas de Aprendizagem da Prefeitura Municipal de São Paulo de 2007/2008, possuem propostas curriculares afins, eu e meu colega e parceiro de projetos, o professor Flávio Pereira de Souza, realizamos vários projetos na EMEF Tenente Alípio Andrada Serpa. Gostaria de relembrar alguns deles aqui. Por último, compartilho um projeto desenvolvido no ensino Fundamental I sobre a artista Frida Kahlo.

Projeto “Arte Urbana”, baseado nas apresentações de dança do “Hip-Hop”.

Este projeto foi elaborado em 2009 e trabalhou os Quatro Elementos do Hip-Hop: música (Rap), dança (Break), pintura (Grafite) e esporte (Basquete).Os elementos foram divididos entre as disciplinas Arte, com música e pintura, e Educação Física, com dança e esporte. Além disso, os estudantes analisaram as disputas de MCs.

Sensibilizamos os alunos comparando o rap nacional com o rap estadunidense, destacando suas diferenças e semelhanças e seus contextos históricos, tanto de suas origens, quanto atuais. Os quatro elementos foram trabalhados separadamente e os alunos faziam pequenas apresentações nas aulas de Educação Física e Arte, dentre elas compuseram raps, elaboraram danças coreografadas, elaboraram grafites, jogaram e analisaram as regras do basquete.

Como produto final, apresentaram suas danças (breaks) e músicas (rap/rimas) com um cenário de grafite criado por eles mesmos.

O projeto foi muito envolvente, pois tínhamos alunos que dançavam o break e faziam disputas no bairro. Além disso, tivemos permissão da direção para fazer uma apresentação de Break e rimas entre os alunos da EMEF Tenente Alípio Andrada Serpa e os alunos da Escola Estadual Profº Lourival Gomes Machado, que fica nos arredores.

Projeto “Africanidade”, baseado em uma apresentação do musical “Rei Leão”.

Realizado nos anos de 2014 e 2015 com os 7os anos do Ensino Fundamental, este projeto teve como produto final uma bela apresentação teatral realizada pelos alunos, desde seu roteiro, produção e atuação. Ele teve início com a ida ao teatro para assistir ao musical “Rei Leão”. No percurso, procuramos relacionar o espetáculo à valorização da cultura africana, ressignificando suas práticas culturais. 

Foram trabalhadas oralidade, circularidade, corporeidade, musicalidade e ludicidade. O projeto também teve o objetivo de fazer com que os alunos estabelecessem relações de intertextualidade, tais como assistir a uma apresentação teatral e a um vídeo, a leitura de um texto poético e literário, leitura de relato histórico, apreciação de imagens artísticas e leitura de movimentos corporais.

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Ida ao Teatro Renault para assistir ao espetáculo "O Rei Leão". Foto: Arquivo Pessoal
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Máscaras de papel maché produzidas pelos alunos para a peça "O Rei Leão". Foto: Arquivo pessoal

Projeto “Sensações”, baseado na vida e obra da pintora mexicana “Frida Khalo” 

Vale a pena destacar este projeto que se realizou em 2017 com os terceiros anos do ensino Fundamental I, realizado em parceria com as professoras regentes e da Sala de Apoio, pois havia alunos com necessidades especiais e sua colaboração foi primordial.

A sensibilização foi a melhor parte. O foco era levar os alunos a entenderem o processo criativo de um artista por meio das sensações que ele tem do mundo por meio dos cinco sentidos: tato, olfato, paladar, visão e audição. Cada sentido foi aguçado nos alunos e, após sentirem cheiros diversos, ouvirem músicas, colocarem a mão dentro de caixas sem saber o que tinha dentro, verem imagens diversas e experimentarem sabores diferentes, eles produziram desenhos e pinturas representando suas sensações. 

Em seguida, com a apresentação multimídia da vida e obra da Frida Khalo, os alunos entenderam o processo de criação da artista devido aos seus problemas físicos. Para encerrar, faríamos uma visita à exposição interativa da artista em São Paulo, mas não foi possível devido aos cortes nas verbas para ônibus naquela ocasião.

Considerações Finais

É nítido como a interação entre as disciplinas faz com que o aluno perceba que o todo é formado pelas partes e vice-versa. Tive grandes parceiros de trabalho e, para desenvolver projetos, principalmente se forem interdisciplinares, precisamos dessas parcerias. Em um projeto, uma disciplina tem mais a explorar do que outra, mas a Arte se encaixa em quase todos eles e aproveitei isso ao meu favor. 

Outro ponto importante é o de que, durante a escolha dos conteúdos a serem trabalhados em um projeto, o professor precisa considerar: a relação que existe entre o conteúdo escolhido e os objetivos do projeto político pedagógico da escola; os objetivos do ensino das disciplinas envolvidas no Ensino Fundamental I ou II; as expectativas de aprendizagem a serem alcançadas; o conhecimento prévio dos estudantes; o patrimônio cultural dos estudantes; o patrimônio cultural da comunidade do entorno da escola; e os recursos didáticos da escola. 

Finalmente, ao revisitar minha história com a metodologia de projetos, vejo que ela me fez compreender que o educando precisa ser sensibilizado de alguma forma para que sua atenção e percepção fiquem aguçadas e em alerta para a compreensão dos conteúdos. Outro ponto de extrema importância é que esta metodologia possibilita a participação dos estudantes no processo de construção do conhecimento. 

Referências Bibliográficas

GARDNER, H. Inteligências Múltiplas: A teoria na prática. Porto Alegre: Penso, 1995.

HERNÁNDEZ, F. VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Penso, 2017.

SÃO PAULO. Orientações Curriculares e Proposição de Expectativas de Aprendizagem para o Ensino Fundamental: CICLO II – Artes, 2007.

SÃO PAULO. Orientações Curriculares e Expectativas de Aprendizagem Étnico-racial Para A Educação Étnicoracial na Educação Infantil, Ensino Fundamental E Médio, 2008.

Marília Gonçalves Ferreira Lagoa
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Professora de Artes aposentada da rede municipal de ensino de São Paulo, tendo atuado por 28 anos. Licenciada em Artes.

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2 Comentários

  1. Que contribuição valiosa. Só vem evidenciar o quanto trabalhar com projetos é desafiador, porém enriquecidos.

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