Elaine Porto
A expressão Gestão Democrática evoca um “envolvimento” de todos no exercício da gestão. O termo “envolver”, em seus vários sinônimos na Língua Portuguesa, nos fornece a ideia de “embrulhar” e “cativar”, e se utilizado como elo ao conceito da Gestão Democrática considera que ela deve envolver a comunidade escolar nas esferas do planejamento, implementação e avaliação, na construção do projeto e processos pedagógicos, e até nas questões de natureza burocrática (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2014).
Algumas iniciativas nacionais têm buscado incentivar a gestão democrática, recomendada na Constituição Federal (Artigo 206, parágrafo VI). Porém, com a pandemia (2020-2022) o processo experimenta um retrocesso, pois houve uma ruptura na construção de práticas de tomadas das decisões coletivas, impedindo a consolidação de qualquer pretensão de projeto pedagógico que oportunizasse o exercício de responsabilidades com o social.
Em cada integrante da comunidade escolar, a percepção de sua participação envolve inúmeros desafios. O inicial é compreender que a escola pública é de todos, e cada indivíduo que ali se insere deve cuidar e participar do todo. Entretanto, cada indivíduo avança nesta percepção de forma singular e impossibilitado de participar das decisões que o afetam. Isso inclui a todos no desempenho de suas responsabilidades. O estudante pode se restringir ao seu estudo, o professor ao trabalho que lhe é inerente, e este raciocínio cabe a cada ator (porteiros, merendeiras, responsáveis, etc.).
É preciso um resgate sobre a compreensão do que é público. O simples fato de um coletivo vivenciar e utilizar esses espaços deveria despertá-lo para a arquitetura dessa estrutura essencial para a sociedade, independente do quão tecnológica possa ser. Um exemplo prático de “interesse”: se houver uma proibição do uso de celular na escola, provavelmente a maioria tentará mudar essa decisão; então por que não há o mesmo interesse para mudanças por uma escola melhor? As necessidades para o bom funcionamento de toda engrenagem escolar importa, mas vários entraves devem ser superados, conforme Silva (2017, online) aponta:
as atitudes de acomodação, desinteresse ou falta de consciência sobre a importância dos processos democráticos produzem focos muitas vezes intransponíveis para a aplicação de mecanismos de gestão.
Uma proposta de exercício para participação dos integrantes da comunidade é promover encontros mensais para estimular o engajamento. Conhecer a escola, a comunidade inserida, o perfil dos estudantes, apresentar um panorama sobre a situação da escola com transparência nas prestações de contas. As atuações do conselho escolar e grêmio estudantil devem ser pautas constantes nesses encontros. Estudiosos defendem que promover a participação da comunidade escolar em decisões de natureza administrativa e pedagógica e tê-la como principal fiscalizadora da gestão são medidas fundamentais (GURGEL, 2007).
Na teoria temos a legislação, sites especializados em Educação e diversos textos com experiências bem sucedidas no Brasil e no mundo; mas na prática, parte dos gestores escolares confundem seu papel diante do desconhecimento da comunidade sobre até onde é possível participar. São pontos sensíveis, mas de extrema relevância social para os atores que compõem dentro e além muros da escola, que com a pandemia foram gradativamente afastados das decisões que deveriam estar incluídos.
Como exemplo, em pleno século XXI experienciamos em vários espaços escolares da Secretaria Estadual do Rio de Janeiro (SEEDUC) direções escolares impostas por tomadores de decisões que viram na pandemia uma oportunidade de não realizar eleições nas unidades, impedindo desta forma o exercício da cidadania e da democracia nas comunidades, ou seja, nas escolas, que são a localidade apropriada para uma prática básica pela democracia.
É preciso avançar rapidamente neste campo, seja pela via legal ou pela transformação dos costumes e práticas. Afinal de contas, ter profissionais qualificados importa, a segurança alimentar importa, e a lista de temas que devem englobar a participação da comunidade escolar importa, pois minimiza eventuais esquemas de corrupção e atitudes arbitrárias. Porque tudo deve importar para o pleno funcionamento da escola, ela é a instituição pública mais próxima do cidadão.
Referências
CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL. Gestão Democrática. 2014. Disponível em: <https://educacaointegral.org.br/glossario/gestao-democratica/>. Acesso Abr. 2022.
GURGEL, Thais. Diretor é cargo de confiança, mas da comunidade. Revista Nova Escola, 2014. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/2861/diretor-e-cargo-de-confianca-mas-da-comunidade?gclid=CjwKCAjw3cSSBhBGEiwAVII0ZxOcasHGawvIxcyCzimpf4PIlKVypQS77Wy6vrAMqLkvKudvtF4uLhoC1gIQAvD_BwE>. Acesso Abr. 2022.
SILVA, Adriana. GESTÃO DEMOCRÁTICA ESCOLAR: DESAFIOS DA AÇÃO DEMOCRÁTICA. Disponível em: <https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/desafios-da-acao-democratica> Acesso Abr. 2022.
4 Comentários
Muito bom ! Respeitar a lei da eleição para diretor escolar é uma obrigação da Seeduc. Não podemos retroceder, a comunidade escolar tem o direito de escolher seus representantes.
Realmente ainda temos um longo caminho para conseguirmos atingir uma gestão democrática na escola pública. Como professor de escola pública entendo que temos muitos desafios e problemas que não estão necessariamente ligadas a gestão democrática, mas não vejo avanços em tirar o que está no papel e colocar na prática.
Realmente é um grande desafio tirar do papel a gestão democrática das escolas públicas. Como professor vejo isso nas escolas em que trabalho. Muitas vezes a própria comunidade escolar não sabe como pode contribuir e participar desse processo.
Acho que o maior desafio para implementação de uma gestão democrática em escolas públicas e trazer a comunidade para dentro das escolas de modo que possam participar de forma ativa da elaboração dos projetos, da criação do currículo e do dia a dia da escola.
Um outro ponto que acho importante é a eleição para diretores. Os diretores precisam ser eleitos pela comunidade escolar e não podem ser indicados por questões políticas. Tanto a SEEDUC quanto as Secretarias Municipais precisam respeitar a vontade da comunidade escolar.